Andava perdido uma meia légua quando encontrei
Amara. Estava ela no lugar exato. Numa encruzilhada entre hoje, ontem e amanhã.
Era uma espécie de totem existencial. Um marco que deixaria profundas
cicatrizes em seu corpo, uma breve coceira na alma. De todos que encontrei só
ela nunca estava perdida. Tinha achado seu lugar no mundo: à margem de qualquer
momento. Era um ser marginal. Não queria estar no palco. Odiava estar no centro
de algo. Não queria chamar a atenção de ninguém. E nunca chamava. Nunca
repreendia ninguém. Mas ao mesmo tempo era impossível não ser notada: era uma
pessoa linda e expressiva.
Nascera em Alexandria. Não naquela segunda
mais famosa no sul da Itália, mas no Rio Grande do Norte. Alexandria é uma
cidade do distante 383 quilômetros de Natal. O nome do município, vigente desde 1936, é
uma referência a Alexandrina Barreto Ferreira Chaves, mulher de Joaquim Ferreira Chaves, que foi senador e governador do Rio Grande
do Norte. Nada referente àquele Alexandre, o pequeno, filho de o breve. Que
conquistou meio mundo, mas não conseguia sair da frente de Diogenes tampando
seu sol. Não que o Sol fosse de Diogenes. O Cínico não desejava ter nada. Nem
sua barrica, usada apenas pra cobrir sua nudez.
Alguns
diziam que era meio coxinha da perna esquerda. Seu instrutor físico dizia que
era um mero cacoete, um tique. A inveja preenchia o mundo. Aquele diminuto ser
devia ter alguns defeitos inomináveis para compensar aquela cômoda falta de
qualidades. Todos, inclusive o narrador invejava sua perfeita mediocridade. Era
o ser mais comum que alguém poderia encontrar. Qualquer ser se deliciaria no tête-à-tête
com ela. Não lhe faltava lugares comuns ao mesmo tempo que surpreendia com sua
fluidez ao discutir desde a vida das formigas à crise nuclear na Argélia.
Sua respiração tinha um ritmo marcadamente
musical. Poucas aves ressonavam tão belo. Andava as vezes como se dançasse uma
valsa outras vezes um bolero. Não era dada a improvisação, embora surpreendesse
a todos com suas singelas mudanças de direção. Observar uma bailarina cruzar
uma rua não é nada tedioso, mas os carros não tem paciência. Um dia talvez
apareça em uma central automotiva de jogos, mas não para o motorista, esse ser
tenso.
O mundo precisa de um tempo para apreciar a
beleza. Mas todos estão muito atarefados com seus ofícios, divertimentos e
devaneios. Agora até o ócio é produtivo. Postergar causa ansiedade, pois a
lista de tarefas é infindável e constantemente renovada. Amara é perfeita. Ela
está fora disso. Amara ama uma rede. Não pretende fazer mais do que é necessário.
Ter mais do que tem. Apreciar o que não pode ser apreciado.
Amara anda pelo mundo. Mora onde é preciso e
faz o estritamente indispensável. Ela sempre está no lugar certo, mas apenas
pelo tempo necessário. Eu e você gostamos que Amara esteja lá. Mas não
conhecemos Amara. Não gostamos ou desgostamos de Amara e Amara ama isso. Amara
adora ser útil. Sabe que é apreciada pela sua prestatividade e beleza. Mas não
quer permanecer. Constrangesse-se com os elogios.
Ela não deseja estar. Adora a estrada.
Permanecer implica juízos. Amara não quer ser julgada. Odeia que pensem algo
dela. Todas as melhores considerações do mundo não valem sua privacidade. Então
ela decidiu sair da vida apenas o necessário. Mostrar apenas o seu lado
privilegiado e esconder seus defeitos.
Amara anda pelo mundo sem se deter nos
obstáculos sendo das coisas mais belas e perfeitas que você pode ver. O que a
denigre está contido, armazenado fora de disponibilidade. Amara é um personagem
de Amara. Amara mesmo é amável. Não precisa de um personagem. Mas porque
libertar suas falhas pra julgamento? Porque expor seus erros? Não que se
importe com isso. Amara é livre pelo mundo. Não se prende a julgamentos. Mas
porque deixar porem-na numa caixa?
Ela está onde deseja estar. Faz o que precisa.
Só isso e no que lhe sobra vive. Talvez só Amara viva. Fico feliz por gastar
esses quinze minutos de minha vida para falar de Amara. Amara não. É exatamente
isso.
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