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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A volta de Aristóteles

 


Hannah Arendt, Jurgen Habermas e Karl Jaspers foram majestosos leitores de Aristóteles e conseguiram atualizá-lo muito proficuamente tornando-o muito inteligível e importante para o resgate da política, praticamente massacrada pela modernidade e o surgimento das ciências políticas. Os três filósofos retomam valores como interação, multiplicidade e alteridade.

Aristóteles tem diagnósticos interessantíssimos sobre a democracia. Vejamos o que o estagirita diz no livro quarto, capítulo IV de A Política, esse interessante livro sobre o Estado e a República (transcrevo literalmente):

A primeira espécie de democracia é aquela que tem a igualdade por fundamento. Nos termos da lei que regula essa democracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não têm privilégios políticos, que tanto uns como outros não são soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma proporção. Se é verdade, como muitos imaginam, que a liberdade e a igualdade constituem essencialmente a democracia, elas, no entanto, só podem aí encontrar-se em toda a sua pureza, enquanto gozarem os cidadãos da mais perfeita igualdade política. Mas, como o povo constitui sempre a parte mais numerosa do Estado, e é a opinião da maioria que faz a autoridade, é natural que seja esse o característico essencial da democracia. Eis aí, pois, uma primeira espécie de democracia.

A condição de que as magistraturas sejam dadas segundo um censo determinado, contanto que pequeno, constitui uma outra espécie; mas é preciso que aquele que chega ao censo exigido tenha uma parte nas funções públicas, e delas seja excluído quando cessar de possuir o censo. Uma terceira espécie admite às magistraturas todos os cidadãos incorruptíveis; mas é a lei que manda. Em uma outra espécie, todo habitante, contanto que seja cidadão, é declarado apto a gerir as magistraturas, e a soberania é firmada na lei. Finalmente existe ainda uma quinta, na qual as mesmas condições são mantidas, mas a soberania é transportada da lei para a multidão.

Eis o que acontece quando os decretos outorgam a autoridade absoluta à lei, coisa que resulta no crédito dos demagogos. Porque, nos governos democráticos onde a lei é senhora, não há demagogos: são os cidadãos mais dignos que têm precedência. Mas uma vez perdida a soberania da lei, surge uma multidão de demagogos. Então o povo se transforma numa espécie de monarca de mil cabeças: é soberano, não individualmente, mas em corpo. Quando Homero diz que a dominação de muitos é um mal, não se sabe se ele entende por isso a dominação de todo um povo, como nós o fazemos aqui, ou a dominação de muitos chefes reunidos que não forme, por assim dizer, mais que um chefe.

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