Hannah Arendt,
Jurgen Habermas e Karl Jaspers foram majestosos leitores de Aristóteles e
conseguiram atualizá-lo muito proficuamente tornando-o muito inteligível e
importante para o resgate da política, praticamente massacrada pela modernidade
e o surgimento das ciências políticas. Os três filósofos retomam valores como
interação, multiplicidade e alteridade.
Aristóteles
tem diagnósticos interessantíssimos sobre a democracia. Vejamos o que o
estagirita diz no livro quarto, capítulo IV de A Política, esse interessante
livro sobre o Estado e a República (transcrevo literalmente):
A primeira
espécie de democracia é aquela que tem a igualdade por fundamento. Nos termos
da lei que regula essa democracia, a igualdade significa que os ricos e os
pobres não têm privilégios políticos, que tanto uns como outros não são
soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma
proporção. Se é verdade, como muitos imaginam, que a liberdade e a igualdade
constituem essencialmente a democracia, elas, no entanto, só podem aí
encontrar-se em toda a sua pureza, enquanto gozarem os cidadãos da mais
perfeita igualdade política. Mas, como o povo constitui sempre a parte mais
numerosa do Estado, e é a opinião da maioria que faz a autoridade, é natural
que seja esse o característico essencial da democracia. Eis aí, pois, uma
primeira espécie de democracia.
A condição de
que as magistraturas sejam dadas segundo um censo determinado, contanto que
pequeno, constitui uma outra espécie; mas é preciso que aquele que chega ao
censo exigido tenha uma parte nas funções públicas, e delas seja excluído
quando cessar de possuir o censo. Uma terceira espécie admite às magistraturas
todos os cidadãos incorruptíveis; mas é a lei que manda. Em uma outra espécie,
todo habitante, contanto que seja cidadão, é declarado apto a gerir as
magistraturas, e a soberania é firmada na lei. Finalmente existe ainda uma
quinta, na qual as mesmas condições são mantidas, mas a soberania é
transportada da lei para a multidão.
Eis o que
acontece quando os decretos outorgam a autoridade absoluta à lei, coisa que
resulta no crédito dos demagogos. Porque, nos governos democráticos onde a lei
é senhora, não há demagogos: são os cidadãos mais dignos que têm precedência.
Mas uma vez perdida a soberania da lei, surge uma multidão de demagogos. Então
o povo se transforma numa espécie de monarca de mil cabeças: é soberano, não
individualmente, mas em corpo. Quando Homero diz que a dominação de muitos é um
mal, não se sabe se ele entende por isso a dominação de todo um povo, como nós
o fazemos aqui, ou a dominação de muitos chefes reunidos que não forme, por
assim dizer, mais que um chefe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário