Assim cantou o sabiá
Como sempre
Sabia assobiar
Com a melodia assombrar
E o ritmo encadear
O sol sobe e a lua baixa
As estrelas virão
Mas o maestro
De fraque espera
O momento da condução
Com um assovio
Conduz a orquestra em ascensão
Linhas de um pseudofilósofo menor nas formas possíveis das coisas sem essência e concretitude. Os contos alfabéticos viraram livro em fevereiro de 2026. Vim do passado pra dizer.
Assim cantou o sabiá
Como sempre
Sabia assobiar
Com a melodia assombrar
E o ritmo encadear
O sol sobe e a lua baixa
As estrelas virão
Mas o maestro
De fraque espera
O momento da condução
Com um assovio
Conduz a orquestra em ascensão
Murei o muro.
Impedi-lo de ir pra lá e pra cá
Fez-se atravessar a divisória
Poucos se equilibram
Caem os outros pra um lado e pro
outro
O chão abraça
A grama afaga
A memória apaga
O rio segue
O barquinho vaga
Rumo ao inesperado
Sólido mesmo só o muro
Convidaram Sebastiana para dançar um xaxado na
Paraíba... Tocava no rádio. Sebastian não tocava guitarra. Tocava bodes. E tinha
um bode bem na sua sala: mudara da chácara para a cidade. Resolveram que a
melhor coisa que podiam fazer era afogar seu vilarejo.
Resolveram assim do nada. Não perguntaram
ninguém. Não fizeram um plebiscito. Chegaram a conclusão de que faltava energia
lá no sul e que tinham que fazer uma usina no seu estado que por assim dizer já
produzia umas dez vezes a energia que consumia.
Não deu muito tempo de vender seus cinco bodes.
Teve que soltar dois no mato e torcer pra não se afogar. Três vendeu para um
restaurante da capital que é pra onde desgostosamente foi. As galinhas foi tudo numa galinhada pra
despedir dos vizinhos antes de todos terem que capar o gato. Expressão infeliz
de quem nunca teve que capar um gato.
O arroz foi da mercearia do Seu Zé, que na
verdade chamava Dêmocles, mas era mais fácil chamar de Zé mesmo. As mercadorias
que tinham prazo ele revendeu a preço de custo para uns supermercados da
capital. O arroz que estava vencendo foi todo pra galinhada. Por sorte Sebastian
tinha muitas galinhas.
Sebastian ia morar na Vila da Investco. Mas
decidiu que não ia entrar em acordo com a empresa não. Afogaram seu bongô. Isso
era inaceitável! Sua cachorra foi ficando doente a medida que chegava o tempo
do alagamento. Morreu um dia antes. Era uma espécie de anuncio da tragedia.
A cadela foi perdendo os pelos. Já tinha muitas
falhas. Perdeu os dentes também aos poucos. Ficou banguela antes de ficar sem pelos.
Era de dá dó, mas não era um caso isolado. Muitos caninos perderam parte dos
pelos ou dos dentes ao internalizar a angustia de seus donos. Mas nenhum outro
ficou careca e banguela como a Esperança, cadela de Sebastian.
Nunca ia perdoar aquele povo da usina e
aqueles políticos por terem feito aquilo. Afogar o povoado era suma maldade. Tirar
um povo que vivia lá há muito mais tempo que o pessoal da capital pra umas empresas
ter energia pra fabricar cimento, moldar aço... era um absurdo. Acabar com um
dos luares mais lindos do mundo pra ligar lâmpadas num galpão de fábrica...
Era revoltante aquilo. O bode estava na sala. Ninguém
podia explicar aquilo. Ficou abestalhado como os entreguistas haviam conseguido
se reeleger. Mas dinheiro compra tudo, até dignidade. Até a ponte que atravessa
o lago que afogou sua localidade ganhou o nome do presidente que soltou dinheiro
(verba federal) para construí-la e depois tiraram o nome pra pôr o do
governador da época.
Mas bode na sala não chateia tocantinense. Até
a sede da FIETO (Federação das Indústrias do Tocantins) tem o nome do
presidente da CNI (Confederação Nacional das Indústrias) que liberou o dinheiro
pra construí-la. Só mesmo Sebastian é que tinha um bode chifrudo na sala. Que
incomodava por demais.
Essa é a história do bode, quer dizer do
Sebastian. Não boto nem a canela dentro d’água pra continuar a contá-la. Não
acredito em destino, mas parece obvio que tem uns, que não importa a situação,
sempre vencem. Sebastian não é um deles. Nem eu. E, provavelmente nem você.
Rafael não era um anjo. Mas parecia. Um anjo
trincado. Daqueles de porcelana com uns poucos cacos faltando. Voava em seu
skate com extrema elegância. Exibia seus arranhões e roxos como cicatrizes de
guerra. Dificilmente batia no chão ou na parede. Mas quando chocava... não era
só um galo, só umas escoriações, alguns calos e joanetes.
Usava sempre seu velho tênis acolchoado dentro
com algodão e penas. Até mesmo joelheiras e cotoveleiras tinham suas proteções
extras. Capacete sempre usava. Por um bom tempo usou até protetor de pescoço.
As asas, nunca protegeu. Vai ver que é por isso que não se viam. Sei lá se não
tinha mais. Ou se ficou só um potoco.
Gostava de viver aventuras. Voar alto.
Alcançar velocidades inéditas para ele. Não daqueles de extrema técnica que
faziam os lances com aparente naturalidade. O que fazia era por instinto. Acreditava
piamente que cada manobra era possível, ia acontecer. Não as fazia pra enfeitar
movimentos. So as fazia porque era necessário para se mover na velocidade
desejada. Porque precisava voar. Tinha que desviar de algo ou de alguém.
Se deslocava de casa para o trabalho, do
trabalho pra casa no velho skate remoldado várias vezes. Seria um paradoxo de
Teseu se Rafael entendesse de mitologia grega ou de paradoxos. Shape várias
vezes refeito. Rodas constantemente trocadas. Amortecedor constantemente
refeito e aperfeiçoado. A pintura trocava constantemente de acordo com sua vibe.
Nem tanto assim. Mas digamos, a cada quatro ou cinco meses.
No trabalho usava uma moto para sair por aí pegando,
pagando, distribuindo documentos. Era motoboy. Queria ser skateboy, mas não
dava. Mas mesmo assim levava o skate consigo. Se tivesse uma brechinha para
usá-lo... Também tinha medo de alguém pegar e estragar sua prancha sobre rodas.
Quando sobrava um tempinho no fim de semana
pintava seus quadros. Não era lá uma Capela Sistina, mas... pintava até bem. Não
era um De Sanzio. Mas tinha suas desproporções nada arbitrarias. Um quadro seu
foi arrematado por milhões num leilão. Tanto o leiloeiro quanto o comprador confundiram
o autor. Depois ficaram com vergonha de demonstrar a ignorância. Foi a única
vez que vendeu um quadro seu. Passou a pintar para si mesmo e para encomendas.
Mas toda vez que vinham pechinchar ele ficava ofendido. Daí vociferava sua frase:
“Vai. Leva essa merda!”.
No tempo que não sobrava estava a cultivar o
jardim do vizinho do fundo. Por uma dessas infelicidades urbanas sua casa não
tinha nem quintal, nem varanda. Passava por um corredor exíguo à esquerda ou direita das casas toda madrugada
e alta noite pra regar as bromélias, lírios e alfazemas plantadas. Elas perfumavam
seu sono. Sonhava.
Bom deixa sonhar. Não vou atrapalhar os sonhos.
É hora de terminar.
Antônio via a
vida. Corria em suas vias suave suco. Bombado ora violentamente, ora
compassado. Antônio não pensava nisso. Como eu disse, ele via a vida. A vida
floria. A vida secava. A vida se desdobrava. A vida não era um rio. Não tem leito.
A vida não tem pulsação. A vida tem ciclos? Tem revolução? Digo: tem frequência?
Antônio observava.
Os cenários se desdobravam. Mas tem lógica? Era caos absoluto ou a ordem não
foi descoberta? A vida seria um teatro? Uma peça sobre a guerra ou a guerra
mesmo? Uma tragédia ou uma comédia? Somos todos atores? O enredo já está
escrito? Os gregos ou Espinosa estão certos? Existe destino? Ou existe um livre-arbítrio
individual que no conjunto, na soma das forças não altera a providência?
A vida vai
passar e Antônio não. Antônio vai ficar em algum ponto. Vai virar esterco ou
cinza. No final, Antônio passa e a vida não. A vida é que observa Antônio.
O rio cruza a mata
Em silêncio
Coaxa um sapo pra lá pra cá
A fênix persiste silenciosa
Escondida
Invisível
O saci perereca
Pra lá e pra cá
Na sombra do sol
A dama da noite
Cresce em direção a luz da lua
A lua e o sol dançam um tango
Mas a selva...
Na floresta é batidão
É pedra rolando...
Poesia concreta
Não romântica
Aspirou a ser grande
Mas nunca foi pequeno
Fez muita média
e...
ponto final
Nada a acrescentar
Ninguém nasceu
Nem morreu
Existe???
O rei enforcou o antigo rei
O príncipe sempre será
Nunca rei
Das tripas se faz coroas
A educação faz príncipes
Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...