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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Um mundo imaginário

 


O mundo não existe. Pelo menos não objetivamente. Polêmica essa afirmação, mas facilmente explicável: o nosso mundo é um mundo de significação. As coisas não existem por-si-próprias (per-se). Todo o nosso mundo é mediado por nossa percepção, compreensão. Nietzsche afirmava que não há fatos, apenas interpretações. Se tudo no mundo é interpretado (o que é muito bom, pra não engolir a seco acriticamente), então vivemos num mundo subjetivamente construído.

Sendo assim, num mundo onde não existe uma verdade per-se, pois tudo nele é subjetivo, de modo em que nenhum de nós vive nos mesmos mundos, embora eles constantemente estejam se entrelaçando no que em matemática se chama interseção. Cada mundo é particular, pois cada um tem sua singular visão de mundo e das coisas que o cercam. Mesmo assim, conteúdos civilizatórios, contratos sociais, fazem com que muitas concepções sejam próximas ou coincidentes. Servem a este intuito, como já dizia Antônio Gramsci no início do século passado, educação, religião e a própria economia como determinadora do tipo de intelectual a ser formado.

Assim mesmo num mundo construído, esses consensos, interseções de conjuntos denominados mundos particulares, possibilitam criar uma espécie de “realidade”. Uma paranoia coletiva em cada um reafirma a imaginação do outro por estar certo de sua convicção, que vem a ser a mesma visão do outro. Assim, algo ideal se torna material. O idealismo subjetivo penetra o materialismo mais concreto e mais coletivo possível.

No entanto é preciso lembrar que essas proximidades nunca são, nem serão unânimes. Assim toda “realidade” é constantemente questionada. Dialeticamente o mundo evolui também neste ponto de vista (tese-antítese-síntese), pois a sociedade sempre tenta integrar os dissonantes, à força se preciso, e se não consegue simplesmente o elimina sua cidadania. Mas se modifica ao crescer do número de dissonantes. Assim é garantida a psicose coletiva. Assim conseguimos viver num mundo surreal, provavelmente mais belo e dramático do que seria a própria dita realidade objetiva.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Helô



O estupor da tua presença

Apaga a inexistência

Cria eternidades

Na minha consciência

 

Sei que existes

Porém só observo o inefável

É indefinível

Inclassificável

 

És simplesmente você

A atropelar classificações

Remodelar minhas convicções

Fortalecer minha fé

(na beleza)

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Linguagem, relativismo e democracia

 


A diferenciação e a separação, a fixação de certos momentos do conteúdo através da palavra não se limitam a neles designar uma determinada qualidade intelectual, mas na verdade, lhes conferem esta qualidade, em virtude da qual eles vêm a situar-se acima do mero imediatismo das qualidades ditas sensíveis. Assim, a linguagem torna-se um instrumento espiritual fundamental, graças ao qual realizamos a passagem do mundo das meras sensações para o mundo da intuição e da representação. (CASSIRER, 2001, p. 34).

Todo o mundo é mediado pela linguagem. O próprio pensamento desde Sócrates é concebido como um diálogo. Mesmo para Platão, no qual o pensamento era uma representação das formas ideais que não pertencem ao mundo físico, a mediação ainda era realizada pela linguagem. Martin Buber, milênios mais tarde conceberia o universo como dialógico.

Creio que não existe mais alguém que conceba as palavras como meros espelhos dos objetos, digo que creia que as palavras reproduzem fielmente características dos objetos, constituindo uma relação direta entre objeto e linguagem, sem o filtro da interpretação. Creio que estamos cônscios a muito tempo de que tudo é interpretado e passa por mil filtros de luz, sendo o da cultura o principal.

Assim fica muito complicado tanto sustentar o mito da objetividade que as ciências avocam para si. Bom... não só as ciências. Como também fica muito difícil delimitar o relativismo. Pois as interpretações são múltiplas e, poucos critérios consensuais existem para determinar se são válidas ou não. Estamos sempre sujeitos a impostura. Critérios são praticamente impostos em cada cultura. Sempre em prejuízo de um universalismo.

Ciências diferentes se baseiam em pressupostos distintos e podem analisar um mesmo fenômeno através de um mesmo método e chegar a conclusões diversas. Imagine então, meu anjo, essa ideia aplicada a intuição das pessoas. A intuição é o primeiro passo fora do conhecimento sensível. Não há conhecimento primário mais importante que a intuição para transcender os limites racionalidade empírica. Ninguém consegue saltar para além da física sem a intuição.

Cada ser humano, embora compartilhem de uma base cultural com muitas outras pessoas ou coincidentes em parte com um enorme número de grupos diferenciados entre si, possui uma concepção particular de mundo. Portanto uma percepção particular do mesmo. Representa o mundo, portanto, de uma forma singular. Embora possa compartilhar de uma mesma língua com milhões ou bilhões de pessoas, possui uma linguagem própria a ressinificar todo o mundo.

Assim, como fugimos da armadilha do relativismo? Que lugar comum podemos encontrar para não dispersar esses mundos? A ideia de que o mundo é permeado pela linguagem. Que a linguagem se tornou o próprio mundo já que desde Nietzsche somos tentados a acreditar que não há fatos, apenas interpretações? Isto é um Carrefour, um cruzamento e creio que nada de sobrenatural nos salva nessa matéria. Talvez a ideia de que cada um defenda seus princípios, em forma de discurso como queria Habermas e decida politicamente pela interatividade, a discussão para construir consenso seja a resolução mais próxima desse dilema. Mas isso é só minha particular opinião.

domingo, 27 de abril de 2025

Breve lamento

Volta e meia no mundo

É circular toda a mesa

Apreciar a dama rosa ao centro

Aspirar todo o aroma de café

 

As pessoas sentadas a mesa

Em nada pensam

Estão ocupadas em se ocupar

A vida dos outros muito interessa

 

Quem observa nada vê

Ouvidos opacos se concentram

Em ouvir a voz do silêncio

Maravilhar-se com a pausa

 

(Onde chegamos?)

Fatalismo

Se tu viesses como pesadelo

Apenas pra sufocar meu peito

Enfartar minha respiração

(Agradeço!)

 

Se minha pena

Seja ralar meus joelhos

Em devoção a ti

(Comemoro!)

 

Se o que me resta

É somente esperança

Perda de vida

(Me amaldiçôo)

 

Mas se existes

Concretamente

Mas inviável

(Eis traçado meu destino)

sábado, 26 de abril de 2025

Fofoca

 Flui como balsamo

A energizar cada integrante

Cresce como fenômeno

Alegrando os grupos

 

Nasce de um breve ui ou ai

Singela interjeição

A tornar-se frase inteira

Depois tese completa

 

Pessoas vazias vertem vocábulos

Se desocupam mais ainda

Não conseguindo se sentir superiores

Ridicularizam as outras

Se amesquinham

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Neutralidade: uma bobagem.

 




O mundo é organizado pela técnica, nós sabemos disso. O pragmatismo, que leva o homem a um comodismo e insegurança sem precedentes na história antes da idade moderna, criou uma pretensa “objetividade neutra”. À pretexto de tornar a sobrevivência no mundo muito mais fácil, de racionalizar, organizá-lo desde a idade antiga o homem criou a técnica. Arquimedes começou esse problema ao propor “deem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Era o começo de uma história que terminaria na supremacia incontrolável da técnica, afinal quem é contra uma comodidade? Só quem não dispõe dela.

Assim a técnica se tornou algo indiscutível, sobre a qual nem mesmo seus valores são possíveis de serem discutidos. A técnica se autoqualificou “neutra”. Essa falsa neutralidade talvez seja o maior problema da técnica, pois pressupõe que alguma ação humana esteja fora do alcance da subjetividade, não seja influenciada por valores e não os transmita. Sobre esse assunto, um recorte do livro de Myles Horton e Paulo Freire (O caminho se faz caminhando):

“Acadêmicos, políticos, todas as pessoas que supostamente devem estar dirigindo este país dizem que precisamos ser neutros. Assim que eu comecei a examinar a palavra – neutro – e seu significado, ficou bem claro para mim que não existe essa coisa a que chamam neutralidade. É uma palavra-código para o sistema vigente. Não tem nada a ver com nada a não ser concordar com aquilo que é que sempre será – isso é que é neutralidade. Neutralidade é simplesmente seguir a multidão. Neutralidade é apenas ser o que o sistema nos pede que sejamos. Neutralidade, em outras palavras, era um ato imoral (...) Neutralidade. É por isso que a neutralidade é a melhor maneira de esconder uma escolha, veja só. Se não estamos interessados em proclamar nossas escolhas, então dizemos que somos neutros” (HORTON, 2003, p. 115 e 116).

Assim somos enganados pelo monstro que criamos e aceitamos ser devorados desde que o processo seja lento, indolor e não nos canse. Mas a promessa do ócio não parece ser cumprida nunca, já que o trabalho invade até o nosso lazer. E coisas como o Ócio criativo de Domenico de Mais, reforçam essa impressão. O ócio não era pra ser exatamente o descanso da atividade criativa, produtiva? As perversões do homem pelo trabalho devem explicar isso. Eu não. Mas pensemos. A neutralidade é exatamente isso, se tornar escravo de um sistema que hoje já independe da ação dos homens para se reproduzir indefinidamente.

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...