É uma
obrigação moderna conhecermos a verdade para manifestá-la mesmo quando estamos
mentindo, isto é negando-a. Na modernidade, toda a natureza, isto é, todo o
ambiente que nos cerca é matéria-prima para ser manipulada por nós. É nossa
propriedade, por assim dizer. Sobretudo a verdade, nossa mais trivial
matéria-prima. Tornamo-nos donos da verdade.
Poxa!
Mas quanta besteira tu falas! Não há verdades universais! Nem que dois mais
dois são quatro, pois é pura analítica, uma verdade que encerra a si mesma, que
apenas admite verificação. Uma verificação inútil, pois apenas confirma a si
mesma. Pois bem... Como é feito nosso pensamento? Nós não pensamos quase sempre
através de preconceitos (de antes dos conceitos), de verdades prontas,
anátemas, como tudo o que é líquido molha, os cisnes são brancos, nossos genes
determinam quem nós somos ou a inversa: nós somos o que aprendemos ser. Mesmo
todos sabendo que ninguém é. Tudo flui (panta-rei).
Temos
verdades prontas que nos livram da dor de parir um conceito. Conceito não é uma
coisa simples. Pode nascer de um insight, “um clique”, mas é preciso trabalhar
muito um clique para delimitar seu universo, testar todos os limites, conhecer
todo o universo particular “concebido”, conhecer suas propriedades. E mesmo
depois de tudo isso, se maravilhar por ter construído um ponto de partida ou
uma ponte para o que futuramente poderá ser aí sim um conceito.
As
verdades nos dão uma enorme segurança num mundo pós-iluminista no qual as
incertezas e o desconhecido são “buracos negros”, sugam-nos e nos jogam no
limbo, na estranheza. Não admitimos estar num mundo desconstruído, tudo
necessita ser palpável, abaixo de nós sempre terá um chão. É inadmissível andar
pelo teto, mesmo que a Terra esteja de cabeça pra baixo. Temos uma orientação
universal. Não importa se estamos de um lado ou de outro, acima ou abaixo:
sempre abaixo de nós está o chão e acima o teto ou o céu. Alimentamo-nos de
verdades inquestionáveis. Ai de quem as examine!
A
modernidade morta nas artes e arquitetura, transformada na filosofia e nas
ciências ainda é a doutrina nas nobres aplicações das ciências (engenharias e
medicina) e da filosofia (pedagogia e direito). A maioria dos engenheiros,
médicos, professores, advogados, juízes, promotores sabem que a razão
iluminista falhou. No entanto, sabem que o uso delas manteve a eficácia. Um bom
médico não pode se importar se a aplicação de um placebo com muito menores
efeitos colaterais surte mais efeito que o fármaco indicado para a enfermidade.
A não ser que seja um purista disposto a arriscar a saúde do paciente em nome
de uma verdade.
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