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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Sobrevivência

Cobriram o sol

Tomaram toda a luz pra si

Me deram a escuridão

Escondi minhas coisas dentro

Eles brilharam

Eu anoiteci

Estrelei

Abrangi o resto

Submergi

Não me viram

Mas estava ali

E aqui também

Abrangi tudo

Para que não fosse

Queimado pela luz

Me fiz insonso, inodoro, inaudível, invisível

Sobrevivi

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Guarda

O mar lava a alma

Leva a secura

Pra longe do mundo

Eu, cacto, cá estou

Armazeno água

Como se não houvesse ontem

Resisto amanhã

Hoje é solar

Hei de florescer

De frutificar

Mas o mar há de levar

Tudo de longe

Para o remoto

Finco meus pés

Sólidos na areia

Não entro na onda

Não me importa a moda

Hei de beber água

Hei de guarda-la

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Relação

Se voar faz parte,

Cadê minhas asas?

Cortaste devidamente

Não cabe no inferno

Ser um anjo

Ou cabe?

O que cabe ou não cabe

Não me interessa

Fostes insipida

Inodoro eu fui

Trocamos

Não cabe ter asas no covil

Cabe ter chifre?

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Aventura

Derrapei no caminho

Perdi o sol

Rolei na lama

Faltou água

Me enxuguei no vento

Formou crosta

Me quebrei no cipó

Sujou o açude

Passei sabão

A roupa era branca

De marrom virou cinzas

O fogo apagou

Voltei pra casa

domingo, 5 de outubro de 2025

Domingos

Eu cá no domingo

O povo lá no Domingos

Não me animo

Nem me desespero

A cachaça é boa

Mas a calma é ébria

O samba é bom

Mas o silêncio...

Domingos é lá na esquina

Minha mente vai mais longe

Chegará o dia de Domingos

Por hora cá estou

sábado, 4 de outubro de 2025

Nada

 

No meio do caminho há fins

No final só desilusão

No início não havia nada

 

No meio do meio-fio há fios

No final mera combustão

No início uma subestação

 

No meio da noite insônia e desilusão

No final alguma conclusão

No início breja e torresmo

 

No meio, no final e no início não havia

Havia tudo

Nada que não pudesse ser feito

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Conto do Guilherme

 


Guilherme Tell, ou Guilherme de Tell, foi um arqueiro famoso cantado em prosas e verbos pelo mundo ocidental todo. Mas nunca foi nem a sombra de seu bisneto Guilherme de Tal, que não precisava de frutas tão vistosas como uma maçã para acertar a poucos quilômetros de distância.  Coisa de amador! Gostava de cortar longitudinalmente fios de cabelo arremessando do arco pequenas agulhas para infligirem módicos furos em fios de cabelos em sequência.

Com tamanha precisão não podia trabalhar num castelo, nem mesmo num teatro. Precisava se exibir num circo de pulgas. Era preciso uma micro atenção, uma visão microscópica para sua arte. Só mesmo com a ampliação de milhões de vezes numa tela era possível se maravilhar com tamanha destreza. Era muito complicado! Confundiam arte milimétrica com minimalismo.

Tinham que ampliar milhões de vezes num telão para as pessoas verem. Tanta destreza e eficácia dificultava tudo. Não era uma habilidade que lhe sustentaria por muito tempo. Virou chefe de cozinha molecular. Assim podia fazer seus malabarismos e se exibir em pratos exóticos acuradamente calculados. Reações vistosas e belas.

Adorava fazer luzes, controlar luzes. Ver as mudanças de cores, odores, sabores. Mudar texturas. Transformar a culinária em laboratório para fazer malabarismos. Lançar temperos aos pratos com precisão milimétrica. Virar omeletes, tortas, tortilhas, panquecas...  Arremessar pratos às mesas.

Chegava todo dia de madrugada na cozinha pra treinar os seus novos truques, testar composições. Se divertir com cores, odores e sabores. Depois ia a feira quase no amanhecer pra fazer malabarismos com frutas e verduras. De volta a cozinha picava os ingredientes em diferentes formas e texturas. Tirava um cochilo num quartinho ao fundo da cozinha. O restaurante só abria uma hora da tarde.

Quem quisesse provar só tinha das 13h ás 17h pra aproveitar. O restaurante ficava aberto até às 22h mas o artífice era outro. Guilherme era irredutível com o horário de trabalho: das 3h ás 9h, das 12h às 17h. Dia sim, dia não. Nos dias não treinava em casa a tarde inteira os arremessos de pratos com o arco.

Era uma espécie de teste de qualidade dos pratos. Era o maior descobridor dos lotes com defeitos. As louças eram testadas com muita delicadeza. Pois ele sabia fazer os pratos aterrizarem com maior cuidado que se fossem colocados com a mão na mesa. Também testava os forros de mesa pra descobrir se eram lisos o suficiente para serem retirados sem mover o que estava acima deles.

Uma rotina muito regular que não permite o descanso de Guilherme que aliás já me confidenciou que é o momento. Boa noite, Guilherme! Bom dia leitor. Eu sigo minha insônia por aqui, mas não nesse texto. Descansem!

O sabiá sabia assobiar

  Assim cantou o sabiá Como sempre Sabia assobiar Com a melodia assombrar E o ritmo encadear O sol sobe e a lua baixa As estrela...